A 1ª vez.

9 02 2010

“Quando ele chegou, parou bem embaixo da arcada do salão, com aquele calção de saco de aniagem sem nada por baixo, vi logo que era uma ereção impetuosa, uma força irresistível forçando o pano quase no meio da coxa esquerda, e ele cruzou as mãos por cima, numa posição que agora eu talvez possa considerar engraçada, mas na hora não me pareceu. Senti a cócega na barriga outra vez, mas ao mesmo tempo não gostei. Não sei direito por que não gostei, mas na hora achei que foi porque fiquei pensando em como era que aquele negrinho, aquele projeto de negrão, aliás, sabia que tinha sido chamado para sacanagem. E se eu quisesse somente pegar passarinhos, mostrar a ele os livros e lhe ensinar algumas letras do alfabeto? Só me lembro disso, embora tenha certeza de que muito mais se passou atropeladamente por minha cabeça, e meu fôlego ficou acelerado. Então veio o estupro, um inegável estupro. Domingo, e o nome dele era Domingos. Rodei os olhos por aquelas paredes, apareceu na minha cabeça padre Vitorino na aula de catecismo, dizendo que domingo queria dizer o dia do Senhor, dominus vobiscum et cum spiritum tuum introibo ad altare Dei ite missa est, aqueles latins do outro mundo e pareceu que um redemoinho me pegou, meus olhos só viam em frente, meus ouvidos zumbiam, e eu falei, levantando a saia e baixando a calçola: ─ Chupe aqui. Não me recordo do que ele respondeu de pronto, lembro que cuspiu para o lado e disse que aquilo não, nada daquilo. Curioso, tudo está vindo de volta como nunca antes. Lembro que olhei para baixo e vi no lugar geralmente designado por nomes ridículos sob os quais a realidade é disfarçada, vi o que eu tenho que dizer com todas as letras, porque de outro modo vou agir conforme tudo o que eu sou contra ─ daqui a pouco eu consigo, é quase uma questão de honra, não vou ficar satisfeita se não disser ─, já razoavelmente emplumada e enfunada como um cavalo de combate, me senti poderosa, marchei para ele, apertei-o no meio das pernas e, mordendo a orelha dele, disse outra vez que ia contar a meu avô a ousadia dele. Chupe aqui, disse eu, que não sabia realmente que as pessoas se chupavam, foi o que eu posso descrever como instintivo. Falei com energia e puxei a cabeça dele para baixo pela carapinha e empurrei a cara dele para dentro de minhas pernas, a ponto de ele ter tido dificuldade em respirar. Não me incomodei, deixei que ele tomasse um pouco de ar e depois puxei a cabeça dele de novo e entrei em orgasmo nessa mesma hora e deslizei para o chão. A essa altura, ele já estava gostando e se empenhando e me encostei na parede de pernas abertas e puxei muito a cabeça dele, enquanto, me encaixando na boca dele como quem encaixa uma peça de precisão, como quem dá o peito para mamar, com um prazer enormíssimo em fazer tudo isso minuciosamente, eu gozava outra vez. Imediatamente, já possessa e numa ânsia que me fazia fibrilar o corpo todo, resolvi que tinha que montar na cara dele, cavalgar mesmo, cavalgar, cavalgar e aí gozei mais não sei quantas vezes, na boca, no nariz, nos olhos, na língua, na cabeça, gozei nele todo e então desci e chupei ele, engolindo tanto daquela viga tesa quanto podia engolir, depois sentindo o cheiro das virilhas, depois lambendo o saco, depois me enroscando nele e esperando ele gozar na minha boca, embora ninguém antes me tivesse dito como realmente era isso, só que ele não gozou na minha boca, acabou esguichando meu rosto e eu esfreguei tudo em nós dois.”

João Ubaldo Ribeiro. “A casa dos budas ditosos”.